Pseudo-pleasure

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como as redes sociais afetam o nosso comportamento

Social media: forms of electronic communication through which users create online communities to share information, ideas, personal messages, and other content

Segunda-feira. Nove da manhã. Entro na enfermaria, enfrentando mais uma semana de aulas. Sento-me numa cadeira da sala de espera. Os corredores vão sendo lentamente ocupados por batas brancas; os utentes do hospital curiosos como sempre quando nos vêem. Observo os meus colegas cabisbaixos com telemóveis nas mãos, à espera dos respetivos assistentes. “É incrível”, penso, “como as pessoas são obcecadas com as redes sociais”. Volto a olhar para o meu telemóvel, leio os meus e-mails e notificações. Curioso como faço exatamente o mesmo que condeno, e nem me apercebo.

Lembram-se porque é que criaram a vossa conta de Facebook?

Há cerca de dez anos, numa viagem fora de Portugal, uma prima distante perguntou-me “Devias adicionar-me no Facebook. Sabes o que é?”. Depois de ter dito que não, ela explicou-me o conceito. Fiquei pasmada: eis uma ideia tão revolucionária, uma rede onde podíamos partilhar a nossa vida com pessoas que estão longe de nós. Quando voltei a casa, uns dias depois, sentei-me no escritório e passei uma tarde a criar e a aperfeiçoar a minha conta. Penso que fui das primeiras pessoas a criar uma conta no meu grupo de amigos, e por isso, durante algum tempo, tentei convencer todas as pessoas que conhecia a juntarem-se a esta nova rede social. Assim começou. E assim continuou durante anos.

Hoje, em contrapartida, é enorme a procura de soluções que bloqueiam aplicações viciantes como o Facebook e o Instagram. Confesso que já procurei diversas opções para bloquear o meu “screen time”, ou tempo de ecrã, sem grande efeito. Mas porque é que será tão difícil controlarmos a utilização destas aplicações?

Todos sabemos que as redes sociais foram desenhadas com objetivo de serem viciantes. Fazem-nos sentir a necessidade de verificarmos constantemente se alguém interagiu com nossa fotografia ou publicação, ou se o nosso colega já leu aquela mensagem que deixámos na conversa de grupo há umas horas.

Os criadores destas plataformas utilizam várias maneiras de atrair e manter a nossa atenção. Alguns exemplos são:

  • Endless scrolling, uma funcionalidade que faz com que continuemos a ver publicações de forma infindável. Esta estratégia não nos permite reagir aos nossos próprios impulsos, levando, por isso, a que passemos mais tempo simplesmente a fazer scroll.

  • Os likes e comentários, que criam uma sensação de comunidade e companheirismo, de forma a que nos sintamos validados com a interação com outros utilizadores.

  • Push notifications, juntamente com a cor vermelha das notificações (que contrasta com o azul ou branco de fundo), que estabelece uma certa urgência ao alerta e nos incentiva a verificar as nossas notificações.

Estas técnicas quasi-pavlovianas são relatadas por engenheiros e developers, que antigamente trabalhavam para empresas como o Facebook e a Google.

O ex-presidente do Facebook, Sean Parker, admitiu em 2017 que o principal intuito desta plataforma social é de atrair a população, com recurso a libertações de dopamina em resposta ao seu uso. Acrescenta ainda que “é um loop de feedback de validação social (…) porque estamos a explorar a vulnerabilidade da psicologia humana”.

Também Justin Rosenstein, o engenheiro do Facebook que inventou o “like”, descreve a sua criação como [“bright dings of pseudo-pleasure”].

Existe, em sobreposição, uma tendência de esboçar uma vida perfeita aos amigos e seguidores online. É muito fácil olhar para os nossos murais, cheios de publicações premeditadas e fotografias editadas, e questionarmo-nos porque é que nós não conseguimos viver assim. Ignorando completamente o facto de que as pessoas revelam online apenas uma versão filtrada de si mesmas. Os adolescentes, sendo o principal mercado destas plataformas, passam uma grande quantidade do seu tempo a idealizar e projetar uma imagem perfeita online. Será que estamos a instigar as pessoas a criar uma versão falsa online, em vez de as encorajarmos a aceitar a sua individualidade? E não estaremos nós próprios, inevitavelmente, a ficar dependentes da opinião dos outros para cada fotografia ou publicação que lançamos para o mundo virtual?

Apesar destas questões, decerto que a maior parte das pessoas crê que o seu uso das social media é moderado, e que não lhes causa dano significativo, argumentando ainda que estas plataformas permitem uma maior aproximação com os seus familiares distantes e amigos. É o meu caso.

Um estudo de 2018 refere que o uso excessivo de smartphones (e, infira-se, de social media) advém da necessidade humana de contacto e maior afinidade com os outros. Ainda relatam que apesar dos efeitos negativos do vício a redes sociais, o recurso às mesmas surge a partir de um mecanismo natural e evolutivo da espécie humana: a necessidade de vigiar o outro e ser vigiado em resposta.

Por fim, penso que é importante lembrarmos que todas as grandes revoluções tecnológicas foram alvos de fortes críticas. Tal como os telemóveis e computadores, também a televisão, os livros e a própria escrita foram, no seu tempo, vistos como inovações deletérias para o desenvolvimento da sociedade. Hoje, podemos afirmar precisamente o contrário; é indiscutível o avanço permitido por todas estas tecnologias, incluindo as mais recentes. E se uma geração interpreta o uso de redes sociais como sendo uma regressão da comunicação entre pessoas, uma outra geração, a nossa, floresce com o seu uso.

Nuzhat Abdurrachid, 5º ano

Ilustração por Susana Xu, 3º Ano

Existem terapeutas musicais?

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- Acho que vais gostar deste. – afirmou a minha mãe, entrando no meu quarto sem bater à porta (como sempre) e pousando um livro em cima da minha secretária.

Olhei para o livro, curiosa. Normalmente, quando a minha mãe me diz que vou gostar de um livro, acerta. Conheço a autora: Jodi Picoult. A escritora norte-americana tem-se tornado uma das minhas predileções mais recentes. Contudo, desconheço o título: Uma Melodia Inesperada.

- Depois quero saber o que achaste. – Continua à minha mãe, saindo do quarto tão depressa quanto entrou.

Não vou descrever aqui a história pormenorizada do livro (que recomendo), apenas comento que uma das personagens principais era terapeuta musical. Este conceito revelou-se uma novidade para mim. Existem terapeutas musicais?

Claro que é fácil acreditar que a música pode aliviar a ansiedade ou a tristeza ou o stress quando nós próprios já experimentámos isso. Quantos de nós não ouvimos músicas deprimentes quando estamos tristes porque sentimos que isso nos ajuda a lidar com a nossa tristeza? Ou colocamos música melancólica em viagens compridas de autocarro só para podermos olhar pela janela e pensar na vida? Ou ouvimos música animada em momentos mais aborrecidos para tentarmos levantar o nosso ânimo? Quem não ouve o Bailando e não pensa de imediato na Noite da Medicina e não dá por si a sorrir com isso?

No entanto, a ideia de existirem profissionais que se dirigiam aos hospitais e aos lares e às escolas para realizar terapias com música suscitava-me alguma confusão. Fui lendo o livro com interesse, acompanhando a terapeuta musical à medida que ela acompanhava um velhote catatónico num lar de idosos, uma adolescente deprimida e diversos recém-nascidos, ao mesmo tempo que me perguntava se esta nova prática teria muita adesão nos Estados Unidos da América.

O livro descreve particularmente bem a interação entre a terapeuta musical e uma adolescente deprimida; a forma como a personagem utiliza a música para interagir com uma rapariga que se isolou de tudo e de todos, como utiliza diversos instrumentos para que ela se possa expressar ou simplesmente libertar toda a frustração que existe dentro dela e como, aos poucos, a rapariga começa a ver aquelas sessões como um escape e não como uma obrigação.

Quando recebi o email com o novo desafio proposto pela Ressonância, decidi naquele momento que iria pesquisar sobre este assunto.

A musicoterapia define-se como o uso clínico da música por um musicoterapeuta certificado para auxiliar os pacientes a alcançarem determinados objetivos individuais que incluem o alívio e controlo da dor, diminuição de sintomas de depressão e ansiedade, promover a reabilitação motora, a comunicação e o desenvolvimento cognitivo, entre outros.[1]  A musicoterapia inclui diversas atividades tais como composição de letras e de músicas, cantar, improvisar, aprender a tocar um novo instrumento, escutar simplesmente, analisar e discutir letras e até “tocar a fingir”. As sessões de musicoterapia são mais frequentemente individuais (apesar de também poderem ser em grupo), pois o objetivo é que cada sessão seja o mais adaptada o possível ao indivíduo.[2]

Foi com espanto que descobri que existe mesmo uma World Federation of Music Therapy, criada em 1985, e um Dia da Musicoterapia que se celebrou a 1 de Março de 2018.[3] Descobri que a musicoterapia já é utilizada em locais tão diferentes como a África do Sul, a Austrália, o Canadá e a India e em populações tão diferentes como as crianças, os idosos e os doentes psiquiátricos.

Todavia, uma dúvida essencial não deixava a minha mente: Funciona?

Novamente, voltei á minha pesquisa e descobri resultados muito interessantes…

  1. Comunicação funcional – A musicoterapia tem-se revelado particularmente eficaz em promover a comunicação em pessoas profundamente dementes (seja com Demência de Alzheimer ou outras demências). Crê-se que uma das explicações para isto é que a linguagem seja uma função adquirida mais recentemente pelo nosso cérebro, enquanto que a música e a comunicação não verbal são capacidades mais ancestrais e que podem mais facilmente ser reestabelecidas através desta terapia. Em diversos estudos de menores dimensões, a música revelou-se como um dos poucos estímulos a conseguir despertar reações por parte dos pacientes e levá-los a interagir com o ambiente à sua volta. [2]

  2. Cuidados Neo-Natais – Um dos principais locais onde a musicoterapia é aplicada é nas Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). O som de ventiladores, bombas de infusão e de oxigénio, o ruído de macas e o murmúrio de vozes exaltadas são sons típicos que os recém-nascidos prematuros ouvem durante os primeiros dias de vida numa UCIN. Estes sons são quase impossíveis de desligar. No entanto, vários estudos apontam para que a música possa acalmar os bebés pré-termo e os seus pais. Tem-se verificado que a música diminui a frequência cardíaca dos bebés pré-termo, diminui o tempo de choro, aumenta o tempo de sono e pode melhor os hábitos alimentares e o desenvolvimento cognitivo dos mesmos.[4] Para além disto, também se pensa que a música possa servir como elemento de distração para os recém-nascidos, fazendo com que estes se foquem na música e se abstraiam da dor que sentem.[2]

  3. Geriatria – A musicoterapia tem uma vasta utilização na população geriátrica. Serve como elemento de motivação para a prática de atividade física, serve como um elemento capaz de reavivar memórias (todos sabemos que há músicas que guardamos profundamente associadas a lugares, pessoas, momentos, etc.), serve como um promotor da capacidade cognitiva não só por promover a aquisição de novas capacidades como por voltar a acionar capacidades que já possuíamos… E a lista continua. [2]

  4. Psiquiatria – A musicoterapia também é utilizada em diversas patologias do foro psiquiátrico e o mais incrível é que tem demonstrado eficácia em promover o relaxamento, a comunicação, expressão do próprio, capacidade de reflexão e processamento emocional. [2]

A lista de áreas onde a musicoterapia é aplicada continua, assim como as diversas formas em como a música pode auxiliar os pacientes. Existem vários websites e artigos que podem ser consultados.

Contudo, tendo terminado a minha pesquisa intensiva, sinto que ainda há muitos poucos estudos bem desenhados (estudos longitudinais aleatorizados, duplamente cegos e com placebo) e de grande escala que nos permitem tirar conclusões válidas sobre a eficácia que a musicoterapia aparenta ter. Mesmo aqui encontramos um desafio muito importante. Como é que podemos ter um ensaio com placebo duplamente cego para a musicoterapia? O grupo placebo seria um grupo que não escutaria nem tocaria música. Os pacientes deste grupo saberiam que não estavam a fazer musicoterapia, impossibilitando o caráter duplamente cego do estudo. Deixo parar no ar a pergunta de como poderíamos ultrapassar este obstáculo, por forma a podermos contestar ou confirmar muitos destes resultados aparentes.

Aguarda-nos um futuro de novas terapias, algumas menos convencionais que outras, de novas formas de aliviar o sofrimento e de estabelecer contacto com os nossos pacientes e, enquanto estudantes de medicina, temos que estar preparados para encarar estes desafios, saber informar-nos sobre os mesmos e saber informar os nossos pacientes.

Continuo fascinada pela musicoterapia e tão curiosa como da primeira vez que li as palavras “terapeuta musical”. Aguardo, impacientemente, para ver o que o futuro nos trará nesta área.

Fontes:

  1. Florida Hospital for Children. (2018). Music Therapists. [online] Disponível em: https://www.floridahospital.com/children/experience/who-you-meet/music-therapists [Acedido a 13 Set. 2018].

  2. Music Therapy Association of BC. (2018). How Does Music Therapy Work?. [online] Disponível em: http://www.mtabc.com/what-is-music-therapy/how-does-music-therapy-work/ [Acedido a 13 Set. 2018].

  3. World Federation of Music Therapy. (2018). World Federation of Music Therapy (WFMT). [online] Disponível em: https://www.wfmt.info/ [Acedido a 13 Set. 2018].

  4. Novotney, A. (2013). Music as medicine. [online] http://www.apa.org. Disponível em: http://www.apa.org/monitor/2013/11/music.aspx [Acedido a 13 Set. 2018].

Inês Abreu, 4º ano

Ilustração por Ricardo Sá, 4º Ano

TAUROMAQUIA

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A tauromaquia tem-nos sido apresentada como ordem do dia, abrindo jornais televisivos, dando mote a diversas publicações, despoletando diferentes pontos de vista e sendo rastilho para as já habituais ácidas e intolerantes discussões patrocinadas pelas redes sociais.

Acredito que tudo tenha voltado a ser tema de conversa quando, no verão passado, no dia seis de julho, a Assembleia da República chumbou uma proposta do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) que pretendia a abolição das corridas de touros em Portugal. O projeto teve os votos contra do Partido Social Democrata (PSD), Partido Socialista (PS), Partido Centro Democrático Social- Partido Popular (CDS-PP) e Partido Comunista Português(PCP) e os votos a favor do PAN, Bloco de Esquerda (BE) e Verdes. E o que pensam os portugueses? Entendo que estão divididos, opinião que acaba por ser corroborada através do anúncio dos (diria, caricatos) resultados do orçamento participativo português. Se não, vejamos, como projetos aprovados no concurso de âmbito nacional encontramos a proposta número 433, “Tauromaquia para Todos”, integrado na categoria “Cultura”, representando uma fatia de 50 000 euros, mas, para incitar e alimentar a discussão, também verificamos que foi aprovado o projeto número 761, “Portugal sem Touradas”, no domínio da “Educação, Desporto e Juventude”, com um investimento de 200 000 euros. O primeiro defende “a criação de um programa de difusão de informação e conhecimento sobre a cultura tauromáquica de Portugal”, já o segundo, pretende “desmistificar os princípios em que a atividade se autojustifica e contribuir para a construção de um pensamento crítico face à mesma no seio da sociedade portuguesa”. Sendo o orçamento participativo português “um processo democrático deliberativo, direto e universal”, esta escolha acaba por ser representativa da dicotomia de opinião do povo português e algo que tem por base objetivos que colidem.

A mais recente controvérsia sobre o tema, à data da redação deste artigo (e acredito que esta novela não acabará por aqui), é-me apresentada como mais uma “salgalhada parlamentar”. O Governo, através da proposta de Orçamento do Estado para 2019, propõe a redução do IVA de 13 para 6% para a maioria dos espetáculos, tendo como exceções o cinema, os espetáculos de música ao ar livre e as touradas, para as quais mantém os atuais 13%. O BE e o PAN, por recusarem as touradas, pretendem um IVA mais alto; o PCP, o CDS/PP, o PSD e, pelo menos uma parte, a própria bancada do PS, contrariando a opinião do primeiro-ministro, propõem a redução do IVA das touradas para os 6%. Toda esta “contenda” foi exacerbada quando, no debate do Orçamento do Estado para 2019, Graça Fonseca, atual ministra da Cultura, recusou a descida do IVA incidente sobre a tauromaquia de 13 para 6%, dizendo que “não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização”. A juntar a estas polémicas, sendo também curioso mas incongruente, segue-se o facto do Governo manter a taxa reduzida para as prestações de serviços de artistas tauromáquicos e propor, para os ingressos nos espetáculos onde estes intervêm, o IVA a 13%.

Pessoalmente, não consigo conceber a redução do IVA para uma taxa inferior em espetáculos tauromáquicos do que, por exemplo, para assistir a um espetáculo de música ao ar livre, a realização de uma visita ao Jardim Zoológico, a um Aquário ou até a ida a uma consulta veterinária.

Quanto à discussão entre aqueles que defendem e os que recusam a corrida de touros “à portuguesa”, que inclui a atuação dos cavaleiros, pegas e toureio a pé, encontramos, fundamentalmente, como argumentos, por um lado, a defesa das corridas de touros enquanto elemento representativo da cultura portuguesa, a continuação da espécie do touro bravo que é usado quase exclusivamente em corridas de touros, a dinamização económica das regiões onde se promovem estes eventos, a melhor qualidade de vida que é proporcionada aos animais comparativamente aos que estão estabulados e a dignificação do touro, porque acreditam que, assim, atinge como que o apogeu da sua existência ao participar na tourada. Por outro lado, encontramos aqueles que defendem os direitos dos animais, lutando pela erradicação de qualquer atividade que põe em causa o bem-estar animal. Identifico-me com o segundo grupo. É inegável que a tauromaquia representa parte das nossas tradições, mas não me parece que possa ser entendida e defendida como parte da nossa cultura. Manter as touradas com o argumento de preservarmos as nossas tradições, a todo e qualquer custo, parece-me despropositado, assim como entendo que a cultura não poderá estar associada à violência gratuita infligida aos animais.

Sobre o argumento relativo à manutenção da espécie, admito que poderá ser difícil, mas se é tão característica do nosso povo, porque não promover a sua divulgação e valorização como achado autóctone? Desse modo, conseguir-se-ia mitigar ou contrariar as dificuldades económicas das regiões tipicamente tauromáquicas. Já quanto à qualidade de vida animal, não podemos escudar o fim miserável que é dado ao mesmo pela simples justificação da sua sobrevivência. Discutindo a alegada nobreza da luta entre os vários intervenientes das touradas, simplesmente não posso concordar que se trate de uma luta em que os opositores se encontram em pé de igualdade. Com efeito, o animal, naturalmente e por vontade própria não estaria ali, não lutaria e, certamente, não passaria por uma apertada, forçada e muito discutível forma de seleção artificial, onde são testadas tanto as qualidades de transmissão genética das fêmeas como a virilidade dos machos, entenda-se resposta agressiva a estímulos provocados por humanos.

A tourada não é um duelo, é uma luta desigual. Não é crível que o touro entrasse de livre e espontânea vontade dentro de uma carrinha transportadora, quisesse ser espicaçado ou ter os seus chifres embolados, bem como atravessar um corredor que, curiosamente, tem apenas uma saída, enfrentar uma arena ruidosa e luminosa (ou não), para depois ser enganado, provocado, espetado, magoado, esgotado e, possivelmente, abatido. Para mim parece-me óbvio o sofrimento do animal, sobrepondo-se este a qualquer outro argumento contrário. Vivemos no século XXI, num país com tantas e tão bonitas tradições das quais, enquanto Povo, podemos e devemos nos orgulhar, sendo, na minha opinião, dispensável e descabida a continuação desta tradição nos termos e condições em que se realiza atualmente.

Ora, como considero que nada melhor do que apresentar uma história verdadeira para poder ser representativa do ponto de vista de quem a defende, apresento-vos a minha. Quando criança, tinha por hábito ver, em família, sobretudo com o meu avô, as touradas que passavam na televisão. Ficávamos durante horas a fio entretidos, aproveitando para observar e comentar a prestação dos cavaleiros, forcados e de todos aqueles que participavam no que, à época, eu considerava ser um empolgante espetáculo. Com o avançar da idade, cresci e, claro, desenvolvi o meu sentido crítico, podendo dizer que hoje não compactuo com a manutenção do que se considera serem touradas “à portuguesa”, nas condições atuais. Por conseguinte e em coerência, defendo que aquelas devem ser erradicadas da televisão portuguesa. Não porque entenda que com o espectáculo se proporcione o aliciamento das crianças para a esfera tauromáquica, mas porque, ao contrário, podem ferir a sua sensibilidade e, sobretudo, pelo facto de, atualmente, não encontrar quaisquer argumentos que justifiquem o tratamento a que se sujeitam os animais.

Julgo que a realização das touradas à portuguesa, nas condições atuais, não se coadunam com aquilo que defendo como identitário do nosso Povo. Ainda assim, gostava que esta minha história pudesse servir de reflexão e discussão acerca do tema, como acontece dentro da minha própria família, mas nunca enquanto pretexto para alimentar o ódio, como, lamentavelmente, já o temos testemunhado entre quem defende e combate as touradas. Ou seja, também sobre este tema, é preciso mais tolerância.

Já agora, outro testemunho, após a reunião em que ficou decidido que escreveria um texto sobre a tauromaquia, rumei a casa. Era já hora de jantar. Durante a refeição, aproveitei para conversar com as minhas colegas de residência sobre como tinha corrido o meu dia e escutei o que me diziam sobre o seu. Já no final do jantar, deu-se uma grande coincidência, para quem acredita em coincidências, ou acasos, para os que neles não acreditam, quando uma das minhas colegas perguntou se podia mudar de canal televisivo, “passar para a RTP1”, porque ia dar a tourada. Fiquei perplexa com o pedido e manifestei-me contra as touradas organizadas nos moldes atuais. Revelei-lhes que, a propósito, iria escrever um texto sobre a tauromaquia. Trocámos ideias sobre o tema, designadamente o método de escolha das ganadarias, a eventual manutenção das touradas mas noutros moldes que não impliquem o sofrimento e morte do animal, manter a pega dos forcados, acabar com a lide a cavalo ou alterar a forma como é realizada atualmente. Sugeri, escutei, discordei e concordei. No final, as opiniões de umas não se impuseram às demais e, curioso, não chegámos a mudar de canal.

Quanto ao futuro, se me perguntarem se acredito que as corridas de touros irão acabar, respondo que não sei mas espero que sim, defendendo a minha perspetiva. Aliás, se em 1836 as touradas foram proibidas em Portugal, por Decreto, com o argumento de serem “um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas, que serve unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade”, não vejo porque não poderão voltar a ser banidas.


Raquel Morgado, 2º ano

Ilustração por Carolina Daniel, 4º Ano

Transformers - Realidade ou Ficção

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Assim que soube que o Dan Brown tinha publicado um novo livro, apressei-me em arranjar forma de o ler. Sendo um dos meus autores preferidos, com uma capacidade fora do comum para criar suspense, elaborar plot twist inesperados e abordar temas controversos, Dan Brown tem uma enorme capacidade para nos prender às suas histórias e nos deixar a ler até altas horas da madrugada.

Sendo sincera, A Origem não é o melhor dos seus livros. Sendo ainda mais sincera, fiquei até ligeiramente desiludida com o mesmo. Contudo, aborda uma temática muito interessante: tecnologia vs espécie humana. A história retrata um super computador, Winston, com capacidade de pensar por si próprio e tomar decisões, entre inúmeras outras caraterísticas algo assustadoras para um computador. O criador de Winston, Edmund Kirsch, apresenta-nos ao longo do livro a sua fantástica teoria futurista que demonstra que, daqui a poucas dezenas de anos, irá acontecer uma de duas coisas:

  1. Ou a tecnologia irá eliminar a espécie humana…

  2. Ou a tecnologia e a espécie humana irão fundir-se numa só.

Fiquei a pensar nesta teoria futurista e pareceu-me algo ridículo que não houvesse outras opções para além destas duas. Certamente, a espécie humana pode imaginar um futuro sem a tecnologia… Ou não?

Entretanto, em meados de Outubro, saíram os resultados do estudo “Happy Kids: Aplicações Seguras e Benéficas para Crianças” do Católica Research Centre for Psychological, Family and Social Wellbeing (CRC-W), da Universidade Católica Portuguesa. Segundo este estudo, com 1986 respostas consideradas válidas dadas por pais, 51% das crianças com menos de 8 anos de idade utilizam aplicações. Para além disto, o estudo afirma que “As crianças mais jovens (0-2 anos) são as que mais usam apps, sobretudo porque estas são um valioso recurso para os pais as manterem entretidas fora de casa (ex. no restaurante) ou quando precisam de trabalhar em casa ou de fazer tarefas domésticas.”

Comecei a considerar tudo isto mais seriamente. Eu tenho primos mais novos a viver em Nova Iorque e em Moçambique que com 2 anos já sabem utilizar o skype e ligar aos meus avós. Eu presencio as chamadas que às vezes fazem, à revelia dos pais. No pouco que convivo com os meus primos americanos, vejo que são completamente viciados em jogos no tablet e que, aos 2 anos, sabem utilizar este instrumento melhor que eu, que tenho 10 vezes a idade deles. Como será que irão os meus primos evoluir no futuro? E as restantes crianças?

Nas últimas décadas, temos assistido a uma evolução  da tecnologia acompanhada de melhorias na nossa qualidade de vida como nunca antes se tinha assistido. Todavia, a nossa dependência pela tecnologia no dia a dia não só aumentou exponencialmente como o fez de forma sorrateira. Aos poucos, estamos a viver em simbiose com a tecnologia e nem nos apercebemos. Será que a teoria futurista de Edmond Kirsch não é tão ridícula assim? Irá a tecnologia vencer-nos? Ou seremos nós a juntar-nos a ela?


Inês Abreu, 4º ano

Ilustração por Sofia Pessoa Jorge

De Cigarro Aceso

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Vejo-a sentada na mesa do canto do café e sei que me vou apaixonar. Está com um caderno à sua frente, a escrevinhar alguma coisa que anseio ler e, de vez em quando, levanta a cabeça e encosta-se à cadeira para pensar. Na realidade, não parece pensar em absolutamente nada, parece apenas pausar um vazio para se ocupar de outro.

Não quero que repare que estou aqui há mais tempo do que devia, pelo que saio e volto a entrar, dirigindo-lhe um aceno casual, ao qual imediatamente me responde com um sorriso e um aceno da mão que segura gentilmente o cigarro aceso. Desta vez não me convida para sentar, pelo que pego no copo e saio.

Ainda me lembro quando me prometi que não ia ceder aos seus encantos… quando ma apresentaram, só conseguia concentrar-me nos seus olhos e no quanto desejava perder-me neles, sabendo que seria um erro. Mas, em vez de ouvir a voz da razão, lá me deixei cair no poço interminável que é a paixão.

Não a percebo. Talvez por isso ela me tenha na palma da sua mão.

Quando chego a casa, pergunta-me porque não me juntei a ela, mas há uma semana fi-lo sem convite e limitou-se a virar a cara e a mandar-me embora…

Mais um dia, combinamos encontrar-nos no sítio habitual. Chego à margem do rio uns minutos antes, porque sempre gosto de a ver chegar. Cabelo ao vento e a olhar para o chão, apaga o cigarro mas prepara logo o seguinte. Detesto que o faça. Olho para as costas dela e vejo uma mochila, pelo que sei que trouxe vinho a mais, como sempre, mesmo que lhe tenha pedido que pare de o fazer.

Senta-se ao meu lado, sem uma palavra, e abre a primeira garrafa. Quando ma oferece, já vai a meio. Reparo nas nódoas negras nas pernas dela e tento não dar a entender que me preocupo, porque sei que ela não gosta. Quer que a deixe ser um furacão em paz.

Tem os olhos vermelhos, de novo. Esteve a chorar. Mas sorri quando vê o fumo branco sair da sua boca e segue-o com o olhar. Tão simples.

Pergunto-lhe o que estamos ali a fazer, mas ela manda-me calar num sussurro e deita-se a olhar o céu.

Toco-lhe no cabelo. Não diz nada, pelo que continuo. A minha mão desliza pela pele dela e demora-se em cada recanto. Repouso-a no seu pescoço. Continua sem dizer nada, pelo que continuo. Sinto a seda do seu casaco e afasto-o do caminho, deixando os meus dedos envolver-lhe a cintura. Aproximo-me e obrigo-a a encarar-me. Reparo nas flores brancas que saem da mochila, mas não ligo. Deixo a minha mão sentir a pele dela e sinto a sua respiração mais forte, impaciente.

Sem aviso, puxa-me para ela e beija-me como se nunca mais me fosse ver. Sinto o calor dela junto a mim e prendo-me a este momento. Sinto o sabor a vinho e incomoda-me, mas não digo nada, bem como finjo não cheirar o tabaco. Nenhum destes vícios me pertence, porque o meu único vício é ela.

Afasta-me repentinamente e senta-se de costas viradas para mim. Já sabia. Murmura qualquer coisa e levanta-se. Eu limito-me a sentar-me, calmamente, e a reparar que a garrafa já está vazia. Reparo que começou a chorar e sei que quer que me vá embora, mas não vou. Abraço-a com força, combatendo a sua vontade de me bater até ela se agarrar a mim e se esconder no meu casaco. Parou de chorar claro, nunca choraria à minha frente. Não lhe pergunto se está bem, porque sei que me vai ignorar, por isso limito-me a ficar ali até ela me virar costas e ir embora.

Vejo-a a afastar-se e, por um momento, desejo decifrar o enigma que ela é, mas depois recordo-me que não me importo de ser usado por ela e que talvez um dia ela faça sentido. Bem sei que amanhã a vou ver sentada no café e me juntarei a ela, quer ela me convide ou não, e sei que ela estará a fumar para morrer.

Mas o que eu não sei é que foi a última vez que a vi. O que eu não sei é que devia ter prestado atenção às flores.

Por tudo isto, limito-me a murmurar:

“Até amanhã, Alaska.”


Raquel Moreira, 2º ano

Ilustração por Susana Xu, 3º Ano

Europa e as Migrações: Um conto Medieval

Longe vai o tempo em que se celebrava o resgate de pessoas no mar e se chorava pelas vidas perdidas. Agora, 5 anos depois do naufrágio que matou 368 pessoas em Lampedusa e que gerou indignação geral, o mundo olha indiferente para as mortes que a europa está a provocar no alto mar.

Naqueles tempos não existiam tantas missões de salvamento, por isso o choque de Lampedusa levou o Governo italiano a lançar a Operação Mare Nostrum. Durante o ano de 2013, 150 mil pessoas foram resgatadas pela marinha italiana, que tinha aeronaves e navios de guerra à sua disposição. Mas a operação era demasiado custosa para um só país, e os restantes membros da União Europeia não quiseram fornecer o apoio financeiro para a manter. Assim esta grande e bem sucedida operação de salvamento foi substituída em 2014 por outra, cujo orçamento era 3 vezes menor. Reduzida a área operacional, aumentou dramaticamente o número de mortos.

Como resposta a esta negligência total por parte dos países da união europeia, várias Organizações Não Governamentais (ONG), reuniram esforços e recursos, compraram embarcações e fizeram-se ao mar com uma missão em mente: salvar vidas.

Desde 2015 estas pequenas organizações, que funcionam à base de doações privadas e de serviço voluntário, conseguiram resgatar cerca de 110 mil pessoas. A título de exemplo, a organização Jugend Rettet criada por jovens de Berlim conseguiram comprar um navio de pesca, o Luventa, e adaptá-lo para missões de salvamento; a Sea Watch outra ONG alemã possui 3 embarcações e um pequeno avião para realizar vigilância aérea; a Proative Open Arms, uma ONG espanhola que começou por resgatar refugiados na Grécia e que agora tem embarcações no Mediterrâneo Central para além de realizar campanhas de sensibilização para os perigos das migrações nos países de origem e finalmente o Aquarius, da SOS MEDITERRANEE que em parceria com a Médicos sem Fronteiras, salvou perto de 30 mil refugiados e imigrantes desde que iniciou as operações no início de 2016.

Infelizmente a história não acaba aqui, em 2017 o governo italiano estabeleceu um acordo polémico com a Guarda Costeira Líbia para que estes intercedam todas as embarcações antes de estas chegarem às águas internacionais. No entanto, a Líbia não é um país seguro para alguém regressar nem a guarda costeira é competente para lidar de forma humana com os refugiados. Todos os dias chegam relatos cada vez mais negros do que se passa nos campos de detenção líbios, onde pessoas são obrigadas a telefonar aos familiares a exigir dinheiro para pagar a sua liberdade, ao mesmo tempo que são agredidas e violadas, como forma de chantagem. Homens, mulheres e centenas de crianças encontram-se nestas condições. Os que não conseguem arranjar dinheiro, sofrem torturas intermináveis e são vendidos como escravos para fazer todo o tipo de trabalhos forçados e eventualmente lá morrerem. Uma reportagem da CNN em 2017 filmou um destes leilões de tráfico humano, mostrando uma realidade que a União Europeia, embora já tivesse conhecimento dela, nada fez para a combater, antes pelo contrário são os Estados-Membros que financiam a manutenção destes campos de detenção. É preciso entender que pagar a criminosos para que mantenham os migrantes em condições desumanas é a política de eleição da União Europeia para lidar com o influxo migratório dos refugiados. O objetivo é muito simples, colocar as maiores humilhações nos ombros dos migrantes e dos refugiados, de forma a impedir que eles tentem cá chegar. Criando assim à nossa volta um escudo da vergonha, ou seja, enviamos milhões de euros para países periféricos, como a Turquia, o Egipto, a Líbia e Marrocos, para aumentarem a vigilância e a repressão junto das fronteiras europeias, e não nos importamos se isso causa abusos e violações de direitos humanos.

Curiosamente esta política também inclui medidas dentro da própria Europa. Por exemplo como é que se explicam as condições miseráveis a que os refugiados, sírios, afegãos, iraquianos estão, ainda hoje, sujeitos nos campos de refugiados na Grécia? Como é que é possível na Europa, o continente mais rico e desenvolvido, se permita a existência de um campo de refugiados que leva crianças com 10 anos de idade a tentarem o suicídio? Como é que um campo de refugiados no Uganda tem melhores condições de vida que o de Mória na ilha de Lesbos? Subitamente a Europa não tem dinheiro para fornecer alguma dignidade a estes refugiados em específico? Acabou-se o dinheiro? Não, claro que não. A questão fundamental é em o que é que nos tornámos? Nós decidimos colocar pessoas, já fragilizadas pela guerra, pela perseguição e pela miséria, e que pediram a nossa ajuda, em condições ainda mais traumatizantes, como se elas tivessem cometido algum crime. Isto demonstra uma tremenda falta de solidariedade e empatia, representando apenas o ódio e o desprezo que temos pelos outros.

Mas pior ainda que não ajudar as pessoas é impedir que outros o façam. E isso leva-nos de volta ao mar Mediterrâneo, onde está em curso uma nova campanha de dissuasão da migração, que será ainda mais violenta que as anteriores. Tudo começou com notícias falsas e teorias de conspiração que diziam que a ajuda humanitária favorecia a migração ilegal. Isto é completamente falso e perigoso, falso porque as pessoas continuam a vir mesmo sem alguém lá para as salvar e, perigoso porque coloca a possibilidade de deixar morrer as pessoas no mar. Mas, alguns políticos europeus não vão de mão dada com os factos e muito menos com os direitos humanos, por isso decidiram usar os migrantes e aqueles que os salvam como bodes expiatórios dos seus problemas só para ganharem votos facilmente. Iniciaram uma purga às Organizações Humanitárias que trabalham no Mediterrâneo, em Itália com um processo judicial contra o Iuventa e os seus tripulantes incluindo um voluntário português e, na Grécia com a prisão de voluntários da Emergency Response Centre Internacional. Aqui e ali surgiram processos legais contra diferentes ONGs forçando-as a parar operações. O próprio Aquarius viu a sua bandeira ser retirada por Gibraltar e pelo Panamá, alegadamente por pressões italianas, impossibilitando futura navegação marítima. Como refere e bem Nelke Manders, diretor geral da MSF que operava o navio Aquarius - “Não só a Europa falhou em providenciar recursos de busca e salvamento, como também sabotou ativamente a tentativas de outros de salvar vidas.” Chegou ao ponto de os abandonar depois de serem salvos, como o Sea Watch que está à espera há 17 dias no mar alto que um país europeu se decida a acolher as 49 pessoas que tem a bordo. São atitudes cobardes e vergonhosas como estas, defendidas abertamente pela extrema-direita de Mateo Salvini e Victor Orban mas silenciosamente aceites pelos restantes estados-membros da União Europeia, que estão a matar os migrantes no Mediterrâneo.

As Nações Unidas referem que a taxa de mortalidade no Mediterrâneo é agora tão alta como no pico da crise em 2015. Tendo chegado a morrer 2242 pessoas que tentavam chegar à Europa por mar em 2018.

As soluções são complicadas, mas devíamos exigir o regresso de grandes operações de resgate como a Mare Nostrum, ou no mínimo deixar as agências humanitárias fazerem o seu trabalho, que é de louvar. Fundamental seria mesmo promover a existência de rotas seguras, pontes aéreas, visas humanitários, para que as pessoas não precisassem de correr riscos desnecessários para procurar asilo. Devíamos também investir nos países de origem promovendo a segurança, a estabilidade, a paz, criando assim oportunidades para os seus habitantes, em vez de lhes vender armamento, construir muros cada vez mais altos e pagar a criminosos para vigiarem violentamente as nossas fronteiras.

Podíamos fazer isso tudo mas para o alcançar precisamos de votar nas eleições Europeias e Legislativas deste ano, e exigir dos governantes eleitos a defesa incondicional dos Direitos Humanos. Agora uma coisa é certa, se começarmos a achar que a morte em massa de minorias indesejadas é algo aceitável, então podemos estar a caminhar para um futuro semelhante a um passado que foi extremamente violento para a Europa e para o mundo. Mas acredito, e espero, que agora que somos livres não voltaremos atrás.

Ricardo Sá, 4º Ano

Ilustração por Ricardo Sá, 4º ano

Referências Bibliográfica

https://www.nytimes.com/interactive/2018/12/26/opinion/europe-migrant-crisis-mediterranean-libya.html

https://www.msf.org/aquarius-forced-end-operations-europe-condemns-people-drown

https://www.euronews.com/2018/07/04/european-migrant-rescue-ngos-stuck-on-dry-land-amid-political-crackdown-

https://fumaca.pt/miguel-duarte-esta-investigacao-e-absolutamente-politica-o-objetivo-nao-e-prender-nos-e-parar-o-resgate-maritimo/

http://missingmigrants.iom.int/region/mediterranean

https://pulitzercenter.org/reporting/libya-nearly-there-never-further-away

https://www.euronews.com/2019/01/04/we-are-not-fish-migrants-stranded-at-sea-grow-frustrated

Sobre os ombros destes gigantes, o fim da violência sexual estará mais próximo

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5 de Outubro de 2018, o dia em que o  Comité de Oslo atribuiu o Prémio Nobel da Paz ao médico congolês Denis Mukwege e à activista iraquiana Nadia Murad «pelos seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra e conflito armado», dado o seu papel crucial tanto na consciencialização como no combate a tais vis crimes.

Dados os rumores da possibilidade de se ter incluído uma terceira pessoa ligada ao movimento #MeToo nos premiados, e sobre o timing desta escolha, visto que Denis Mukwege é presença assídua na shortlist de nomeados ao Nobel, Berit Reiss-Andersen, Presidente do Comité, justificou a sua decisão com o assinalar dos dez anos da assinatura da Resolução 1820 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sim, é mesmo verdade, só há uma década é que se considerou pela primeira vez o uso da violência sexual como arma de guerra, um crime de guerra.

Desde 1901 (o primeiro ano que se entregou o Prémio Nobel da Paz), e após 106 premiações (em 19 ocasiões não foi entregue), foi a vigésima segunda vez que se laurearam duas pessoas, mas apenas a quinta vez em que essa dupla foi um homem e uma mulher. Mas quem são mesmo estas duas figuras? Comecemos pelas senhoras.

Nadia Murad é membro da minoria étnica Yazidi, uma minoria que habita o Norte do Iraque. Nadia tinha o sonho de ser cabeleireira. Vivia com a sua família na remota vila de Kocho quando, em Agosto de 2014, aos 21 anos, foi raptada pelo Estado Islâmico. Na altura, o Islamic State of Iraq and Syria (ISIS) tentava exterminar os «infiéis» Yazidis da face do Mundo. Grande parte das vilas no distrito de Sinjar foram massacradas, e os poucos que sobreviveram, crianças, mulheres, como Nadia, foram raptados e mantidos em cativeiro como escravos sexuais.

Nadia foi repetidamente violada por membros do grupo. Frequentemente ameaçada com a execução se não se convertesse a esta versão mais negra do Islão. Esta era a estratégia por parte destes soldados, no sentido de a transformar numa arma contra os seus, ou contra outras minorias religiosas. Estima-se que Nadia Murad foi uma das 3000 Yazidis que foi vítima de abusos por parte do Estado Islâmico, até aos dias de hoje.

Três meses depois do rapto, conseguiu fugir para um campo de refugiados, e daí foi para Estugarda, na Alemanha, num programa de asilo para Yazidis. Desde então, tem sido a porta-voz dos mesmos, e partilhado com o Mundo a sua dor, a dor de muitos. O relato de muitas noites de terror pode ser lido numa entrevista dada em 2016 ao Jornal Expresso. O seu trabalho como activista de alertar para o problema da violência sexual como arma de guerra tem sido fulcral. Em Setembro de 2016, apenas com 23 anos, foi nomeada “Embaixadora da boa vontade das Nações Unidas para a defesa da dignidade das vítimas de tráfico humano”. Vale a pena ler seu livro “Eu serei a última” e ver o documentário biográfico “On her shoulders” dirigido por Alexandria Bombach sobre a sua vida.  Foi galardoada com o Prémio Sakahrov em 2016.

Nadia Murad, a décima sete mulher na história a receber o Nobel da Paz. A mulher que «recusou-se a aceitar os códigos sociais que exigem às mulheres», que afirmou que «se receber o Nobel, recebê-lo-ei de coração partido». A mulher que teve a bravura, a coragem, de não ficar calada, pela vergonha, e que conseguiu contar a sua história e falar em nome de outras vítimas

Seguimos para Denis Mukwege. É importante realçar que o Dr. Denis Mukwege foi apenas o terceiro médico, na História, a ser galardoado com o Nobel da Paz, depois de John Boyd Orr (1949) e Albert Schweitzer (1952). Contudo, não é de só menos referir que algumas instituições como os Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (1985) e os Médicos Sem Fronteiras (1999) também foram laureadas. Voltemos à história deste médico ginecologista.

O Dr. Denis Mukwege passou largos anos da sua vida a ajudar mulheres que foram violadas em grupo no seu país, a República Democrática do Congo (RDC), um infeliz fenómeno recorrente desde o início da Segunda Guerra do mesmo. A RDC é um dos países mais perigosos no Mundo para se ser mulher, tendo sido apelidada pelas Nações Unidas de “capital da violação”. Estima-se que são violadas 48 mulheres por hora, desde 2011. No Hospital Panzi, fundado por Denis, mais de 50 mil mulheres vítimas de violência sexual foram tratadas desde 1999. Este, chegava a fazer 10 cirurgias por dia.

O Dr. Denis tem vindo a condenar e criticar, repetidamente, o seu governo, o governo Congolês, mas também o de outros Países pelo clima de impunidade que os violadores vivem e pela inércia no combate a estes crimes sexuais. Um dos seus princípios basilares é que «a justiça deve ser uma preocupação de todos, e não só de alguns». A sua resiliência tem sido admirável, pelo que Mukwege é considerado «o símbolo mais unificador, tanto nacional como internacionalmente, no combate à violência sexual na guerra e nos conflitos armados». Já foi galardoado com os prémios Olof Palme (2008), Sakharov (2014) e Calouste Gulbenkian (2015).

Os premiados do Nobel da Paz deste ano espelham firmemente os critérios expostos no testamento de Alfred Nobel - o Dr. Denis Mukwege e a ativista Nadia Murad colocaram em risco sua segurança pessoal de forma a combater corajosamente os crimes de guerra, procurando justiça para as vítimas dos mesmos; promovendo desta forma a fraternidade das Nações através da aplicação dos princípios do direito internacional.

Quem é forte com os fracos, acaba por ser fraco com os fortes, mas não eles. Mukwege e Murad ficarão na história não apenas pelo Prémio Nobel, mas pelo que fizeram, como agiram, dia após dia. Deram a todos nós um grande exemplo de humanismo e de bravura, travando duras batalhas contra os poderes instituídos, contra a ignorância opcional, enfim, contra o pior lado do ser humano. Desta forma, e tal como Brecht escrevia, “tornaram-se imprescindíveis, através da sua incessante luta, e isso é o que os fará imortais”…

António Lopez

Ilustração por Valentim Rodrigues

Referências bibliográficas:

https://www.nobelpeaceprize.org/The-Nobel-Peace-Prize-2018 (consultado dia 15/10/2018)

https://observador.pt/seccao/cultura/premio-nobel-cultura/nobel-da-paz/ (consultado dia 18/10/2018)

http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2018-10-05-Nobel-da-Paz-para-medico-e-ativista-pelos-seus-esforcos-para-acabar-com-a-violencia-sexual-nos-conflitos-armados (consultado dia 18/10/2018)

https://observador.pt/2018/10/05/se-receber-o-nobel-recebe-lo-ei-com-o-coracao-partido-nadia-murad-a-jovem-yazidi-que-partilhou-a-sua-dor-com-o-mundo/ (consultado dia 18/10/2018)

https://observador.pt/2018/10/08/nobel-da-paz-nadia-murad-insta-comunidade-internacional-a-juntar-se-a-sua-luta/ (consultado dia 18/10/2018)

https://www.nytimes.com/2018/10/18/movies/on-her-shoulders-review.html (consultado dia 18/10/2018)

https://observador.pt/2018/10/05/este-nao-e-um-problema-so-das-mulheres-e-um-problema-da-humanidade-denis-mukwege-o-medico-que-sara-os-corpos-e-tenta-aliviar-as-almas/ (consultado dia 20/10/2018)


Gestão e Saúde: duas realidades sobreponíveis?

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Contextualização: introdução da problemática

Com quase 40 anos, o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a mostrar o seu valor na oferta de cuidados de uma forma universal. Contudo, existem muitas questões que se prendem com a sua acessibilidade e equidade. É neste sentido que se torna de maior importância a sua gestão equilibrada através de políticas de saúde e, de uma forma mais particular, a gestão adequada das instituições de saúde e do seu financimento.

Tomando isto como ponto de partida, apercebemo-nos das perspetivas divergentes que podem surgir neste contexto. De um lado, existe o Estado como entidade reguladora, função à qual acresce a responsabilidade pela alocação de recursos que permitam um olhar para o futuro, para uma população com melhores indicadores de saúde. Num outro, as Administrações das Unidades de Saúde, que pretendem eficácia e eficiência, procurando gerir o seu orçamento na tentativa de prestar melhores cuidados. Por último, a população, que é a razão pela qual todos iremos trabalhar, e que muitas vezes acaba por ser esquecida, que pretende ver as suas expetativas satisfeitas, independentemente dos gastos que estas representam.

Sendo assim, este texto surge como uma tentativa de consciencialização para a realidade vivida na saúde em Portugal, contexto este que teremos de enfrentar a partir do momento em que passarmos a constituir uma equipa clínica ou, de forma alternativa, encararmos esta temática de um ponto de vista mais macro, por via da saúde pública.

Níveis de gestão

Em saúde, distinguem-se três patamares de gestão: Políticas de Saúde, Unidades de Saúde e Clínica.

Com certeza, percebemos a diferença que podemos fazer ao nível da clínica. Melhores decisões logísticas e terapêuticas terão de ser tomadas no sentido de garantir um benefício individual para o doente que se encontra diante de nós. Ainda assim, não podemos obliviar as necessidades de todos os outros doentes que esperam por tratamentos semelhantes. Assim, a nossa obrigação é ter conhecimento, do ponto de vista financeiro, do que representa cada ato médico, e ponderá-lo cada vez que o prescrevemos (embora se possam questionar se isto não nos desvia da conceção puramente médica da medicina).

Contudo, numa alternativa não muito explorada, existe a possibilidade de fazer a diferença a um outro nível. Os cargos de administração hospitalar tendem a ser ocupados por profissionais com formação de base em gestão. Todavia, é clara a falta da componente médica nos seus currículos. Neste sentido, perguntamo-nos (ou eu pergunto-me) de que forma pode existir gestão em saúde sem o conhecimento do valor do doente, das suas necessidades reais.

Por outro lado, o mesmo seria contestado se um médico ocupasse estes lugares sem que tivesse em sua posse conhecimento dos princípios básicos de economia ou gestão.

Masters in Business Administration (MBA) como formação complementar

É desta forma que introduzo uma possibilidade no percurso académico de um estudante de Medicina.

Nos Estados Unidos da América, são cada vez mais as universidades com esta preocupação, e é com isto que justificam a criação de um double-degree que combina, ao longo de cinco anos, o curso de Medicina e um MBA.

A ideia por detrás deste conceito não seria que os médicos se afastassem da prática clínica. Ao invés disso, seria uma tentativa de capacitar o profissional de saúde a lidar com os aspetos económicos que se relacionam com a sua carreira. Ainda assim, muitos são os que decidem subir na escada de tomada de decisão e procurar um lugar no executivo das instituições de saúde.

Infelizmente, um entrave é colocado no contexto português. Não existe nenhuma instituição que ofereça esta formação conjunta, o que obriga à difícil tarefa de conciliar os dois cursos ou, em alternativa, a sua realização em diferido. Apesar de tudo, esta é uma decisão que vem a ser tomada por um crescente número de profissionais de saúde, que veem esta possibilidade como um meio de alcançar novas oportunidades no mundo do trabalho.

Perspetivas e Considerações Finais

A admissão do médico na gestão é um passo importante e com ele espera-se uma modificação nos princípios de organização e gestão dos serviços em saúde, colocando o doente como ponto central de um sistema, atualmente focado em números e no retorno do investimento.

Embora esta atitude possa parecer um desfoque do papel estritamente médico, os estudos que têm vindo a ser feitos apontam para uma melhoria dos cuidados de saúde quando as cadeiras nos conselhos de administração são partilhadas com médicos-gestores. E é com esta perspetiva que iremos avançar, de forma a tornar o Serviço Nacional de Saúde um sistema cada vez mais eficaz, almejando a perfeição inatingível que caracteriza a sempre insatisfeita espécie humana.

Miguel Palas, 4º Ano

Ilustração por Ricardo Sá, 4º ano

Nosso Senhor a Judiar Connosco

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Aquilo que me agarra à Medicina é a sua inutilidade quase tão óbvia como irónica, naquilo que é o seu combate eterno, contra a morte.

Luta como um miúdo franzino no pico da sua ira contra um matulão, ignorando a certeza que tem de que vai ser derrubado, uma e outra vez, até não mais se conseguir voltar a erguer. Mesmo com essa noção continua a bater...  Tão forte, tão cega, tão segura de si...Não deixa de lutar.

A Medicina é uma inocente, é uma irónica e é uma arrogante. Não se convence que jamais vencerá a guerra, e saboreia e festeja cada vitória em pequenas batalhas. Sempre com essa ilusão quase insolente de que alguma vez conseguirá a vitória derradeira.

De facto, este jogo de marionetas que vivemos, sempre sem cabo de segurança, é uma lição engraçada. A maior de todas. Para não sermos arrogantes, talvez... Se calhar é Nosso Senhor a judiar connosco... Para se rir da nossa infantilidade, e para nos fazer ver o nosso ridículo.

Vejam bem, que o Mundo, sendo o que é, e a vida, sendo a estrela cadente que é e que se vai fugaz, cabem em tantos olhares (observadores atentos e pensativos) quantos queiramos. E parece sempre diferente. E vai-se a ver sempre igual. Como uma estrela cadente que, num ápice surge e se esfuma para sempre na calada da noite, sem muitas vezes termos tido tempo de a apreciar como merecia.

E aí está a Medicina, a travar desde o início dos tempos a única guerra que jamais poderá vencer. A mais brava guerreira nessa luta ingrata. Tiramos-lhe o chapéu e, por ela, daremos sempre o corpo às balas.

"E vamos pegar o Mundo,

Pelos cornos da desgraça.

E fazermos da tristeza,

Graça."

Fernando Tordo, in Tourada (Letra de José Carlos Ary dos Santos)

Rúben Simões, 3º Ano

Ilustração por Renata Costa

A vida de um Harrisoniano

A vida de um Harrisoniano_ Beatriz Aranha Martins.JPG

Somos médicos mas ainda não trabalhamos. Já não somos estudantes, porém ainda estudamos, mais do que nunca.

Vamos, todos os dias, como se de um emprego se tratasse, mas sem hora de chegada bem definida. Os dias são todos iguais e apenas os distinguimos com base no horário da biblioteca: encerra à segunda-feira de manhã e ao domingo. Na memória da rotina destes últimos meses, apenas uma imagem, pois é sempre a mesma a mesa que ocupo: um pequeno monte lá ao fundo, para lá de um grande vidro; cá dentro, mesas e cadeiras meticulosamente arrumadas e mais ou menos pessoas. Já nos conhecemos uns aos outros, já sabemos qual a mesa reservada para cada um de nós.

As férias parecem-nos um conceito abstrato. Não as tivemos e não compreendemos como é que alguém se pode dar a tanto luxo. Fosse julho, agosto ou setembro, o ar condicionado era frio e pedia um casaco. As nossas vidas pararam no tempo. Ignoramos o mundo que progride, focando-nos no estudo.

Por breves momentos, na pausa do lanche ou do almoço, voltamos a nós, voltamos a ser quem somos, tentando recuperar a alegria da juventude e da possibilidade de comunicação.

Tal como de manhã vamos chegando, ao poucos, à tarde, vamos partindo, uns mais cedo que outros.

Toc toc toc. Ouvem-se os passos a aproximar-se:

- A sala encerra daqui a cinco minutos.

Fingimo-nos surpresos com tal afirmação e tentamos aproveitar os últimos minutos de estudo. Como é que um dia pode ter passado tão depressa?

Arrumamos. Saímos lentamente como se aquele lugar nos pertencesse. Despedimo-nos. Amanhã é outro dia

Filipa Isabel Gomes

Ilustração por Beatriz Aranha Martins, 4º ano

Ele, e o Fascismo, Não!

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Trinta e três anos depois de 21 anos de Ditadura Militar no Brasil, o mundo assiste a uma possível transição de regime que, contrariamente ao que se deu em 1964, edifica-se por uma transição legal para a ditadura.

Uma transição que se semeou em 2016 com a destituição da legítima Presidente do Brasil Dilma Rousseff e criou raízes com a negação do direito, direito reivindicado também pelo Comité de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, por parte do Tribunal Superior Eleitoral, da candidatura de Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, que liderava a intenção de voto, meses antes das eleições.

Um mês depois da celebração de mais um ano da Proclamação da Independência do Brasil, no passado dia 7 de outubro de 2018, viveu-se um dia de luto internacional mascarado de verde e amarelo. Nas eleições presidenciais brasileiras o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal, liderou a eleição com 46% da votação, seguido da segunda mais votada candidatura com 29,3% da votação de Fernando Haddad do Partido dos Trabalhadores.

Verificou-se uma polaridade eleitoral, com os Estados do Nordeste, estados com menor índice de desenvolvimento humano e com maior número de beneficiários do Bolsa Família (programa financeiro de apoio a famílias mais carenciadas) a votarem maioritariamente em Haddad, impedindo que tudo ficasse definido na 1ª volta e garantindo assim a necessidade de uma segunda votação, que se realizará no próximo dia 28 de outubro.

O confronto travar-se-á entre um mestre e professor de economia e Bolsonaro que assume nada perceber sobre este tema; entre um compromisso de isentar o imposto de renda, a quem recebe até cinco ordenados mínimos, e a intenção de aumentar esta mesma renda;  entre quem apresenta políticas várias contra a violência e quem quer banalizar o porte de arma, entre Haddad que defende a necessidade de políticas de combate à violação e de promoção da saúde integral da mulher e Bolsonaro que defende a proibição da Interrupção Voluntária da Gravidez em caso de violações; entre um candidato que defende a igualdade profissional e salarial e quem levianamente afirma que “as mulheres devem ganhar menos porque engravidam”...

No país que se rege pela Ordem e Progresso, a maioria dos eleitores mostrou preferência na escolha para Chefe de Estado de alguém que se manifesta a favor da tortura, que levianamente insinua violações sexuais, que defende massacres militares, que despreza as diversas identidades de género e orientações sexuais e que fomenta a violência e o desrespeito pelas mulheres e minorias. Um candidato cuja campanha eleitoral se pautou de ataques pessoais, de ofensa à liberdade individual, de proclamação da submissão das minorias face às maiorias e que proliferou tantas notícias falsas. O mundo, nestes últimos meses tem assistido a uma nova novela brasileira em que o protagonista edifica o seu monólogo sobre as vozes abafadas dos actores que ele exige que sejam secundários.Que motivos levarão a que conscientemente se defenda um candidato com esta postura? Será justificação suficiente um descrédito pela Democracia ou estará o povo brasileiro tão alienado que não enxerga as reais e possíveis consequências do seu voto?   

É um sinal de alerta mundial, quando está iminente a eleição de um político autoritário, racista, machista, homofóbico, proclamador de um discurso de incentivo ao ódio, um adorador da ditadura e defensor dos valores mais retrógrados, para o cargo de Presidente de um dos maiores Países, tão rico em recursos naturais como culturalmente.

É um sinal de alerta para nós europeus, que em paralelo com o crescente movimento global nacionalista que já conquistou os Estados Unidos da América e marcha agora pelo coração da América Latina, assistimos a um ganhar terreno da extrema-direita na Europa. Desta expansão, é exemplo o apelo dos líderes da extrema-direita italiana Matteo Salvini, e francesa, Marine Le Pen, de criação de uma “frente da liberdade” de partidos soberanistas, no início do mês de outubro, no mesmo dia em que apresentaram juntos a campanha eleitoral para as Eleições Europeias que se realizará no próximo dia 23 de maio.

As próximas semanas serão decisivas para a História da Democracia no Brasil e no Mundo. Mais do que estarmos perante a eleição de um candidato em particular, estamos perante a não eleição de alguém que pode fazer retroceder na história séculos de progresso social. Que todos os cidadãos conscientes e todos os outros candidatos à presidência se unam e consigam fazer ouvir o Grito que há 196 anos criou tormentas nas calmas águas do riacho do Ipiranga.

Eva Borges, 4ºano

Ilustração por Ricardo Sá, 4º ano

Hat-Trick na Investigação Médica

Hat-Trick na Investigação Médica

No primeiro jogo de Portugal no Mundial da Rússia, Cristiano Ronaldo esteve em grande destaque pelos 3 golos marcados e que valeram à seleção nacional o empate frente à seleção Espanhola. No entanto, não é só nos relvados que Portugal se destaca. No meio científico, os lusos têm desempenhado ao longo dos anos um papel louvável de tal forma que, mesmo na imensidão de artigos jornalísticos e programas televisivos centrados no desporto rei, conseguimos encontrar títulos como “Portugal lidera projeto Europeu para criar músculo artificial”, “Oftalmologista portuguesa distinguida pela segunda vez com prémio da Universidade de Harvard” e “Patente portuguesa no combate ao cancro”.

O que é que o Brasil tem?

O que é que o Brasil tem?

Oito horas a voar.

Gosto do show dos assistentes de bordo, param, ajeitam o casaco, cumprimentam aaircraft e todos os passageiros a bordo, indicam que “neste avião existem 8 saídas de emergência, todas devidamente assinaladas: duas portas na retaguarda, 4 janelas sobre as asas, duas portas na frente” e depois apontam energicamente para o chão e vão subindo os braços e sorrindo, parecem dançar a Macarena! Quando o guião termina, voltam ao estado normal, inspiram fundo, acenam com a cabeça, viram-se e volta cada um ao seu mundinho e vão fechando e confirmando uma ou outra bagageira.

A Imaginação ao Poder

A Imaginação ao Poder

Nas noites de 10 e 24 de Maio de 1968, a Sorbonne (uma das mais prestigiadas faculdades de Paris) era ocupada por centenas de estudantes. As greves, ocupações e manifestações que se seguiram constituíram o maior movimento de protesto social na França moderna, tendo no seu auge mobilizado cerca de 10 milhões trabalhadores. Ao contrário dos seus pais, a estabilidade económica não se mostrou suficiente para segurar a consciência das novas gerações que, não tendo passado pelas provações da segunda guerra mundial, se inquietavam face ao modelo de sociedade cuja construção estavam a testemunhar. Hoje, num momento em que o Ocidente parece enfrentar um impasse em múltiplas frentes, importa (re)valorizar algumas análises por detrás dos cartazes ambiciosos (ainda que profundamente ingénuos) desta geração, para sempre imortalizada nos românticos acontecimentos que constituíram o Maio de 68.

Ruído

Ruído

Todos podem, menos eu. Tudo pode, menos eu. E porque é que não posso? A sociedade não o permite. Dizem que é feio e não é assim. Dizem que não está correto. Não têm estofo para aguentar.

Recep Tayyip Erdogan

Recep Tayyip Erdogan

Recep Tayyip Erdogan é um nome muito conhecido na atmosfera política internacional, tendo-se tornado particularmente famoso em Junho de 2016 quando a sua presidência foi posta em causa por um golpe militar falhado. Hoje volta uma vez mais à ribalta ao anunciar a antecipação das eleições presidenciais turcas de Novembro de 2019 para 24 de Junho deste ano, sendo o único candidato conhecido para as mesmas.

“Doença X” – Que futuro para a Humanidade?

“Doença X” – Que futuro para a Humanidade?

Em fevereiro de 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou a Lista Blueprint de doenças prioritárias que poderão constituir uma ameaça à saúde mundial. A ideia de criar esta lista surgiu após a emergência do ébola na África Ocidental (em dezembro de 2013). De acordo com estatísticas da OMS, o surto de ébola entre 2014 e 2016 (e o maior de sempre desde a descoberta deste vírus em 1976) teve 28616 casos suspeitos e/ou confirmados, além de 11310 mortes na Serra Leoa, Guiné e Libéria, o que desencadeou investigações céleres para criar uma vacina que fosse eficaz contra esse vírus, num curto espaço de tempo.