ÂNSIA CRÓNICA | Fim

“Fim – o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa” - Agustina Bessa-Luís

Pretéritos Imperfeitos

Todos os finais têm uma loja de recordações estrategicamente colocada em si mesmos e mesmo antes de qualquer recomeço. Somos tanto donos como turistas para estas lojas. Por agora, conheço o conteúdo de todas as estantes, todas as gavetas, sei de cor até as montras. Um dia, vou voltar como quem não quer a coisa, passar de fininho junto à vitrine, relembrar-me dos contornos de outros tempos e de que aqui, contrariamente às que encontramos a cada dois metros nos pontos turísticos de cidades agitadas, pouca coisa tem preço.

Um dia, abrirei uma loja de velharias, não vão os pretéritos imperfeitos querer vir a ser perfeitos. É a progressão natural das mil e umas lojas de recordações que se tem e visita numa vida. Aliás, se nada se cria, nada se destrói e tudo se transforma, claro que as recordações não são exceção. Provavelmente Lavoisier abriu a primeira loja de velharias para provar um ponto. É um bom negócio, porque, afinal, o que sai mais caro que um bom legado?

Fim

Contrariamente aos fanáticos pela precisão, não creio que haja uma marcação temporalmente exata para qualquer final, mas antes uma nuvem mais ou menos abstrata que paira e deixa adivinhar o desfecho num intervalo de tempo aberto. Os finais arrancam antes e terminam depois, como se tivessem um gosto especial em desafiar a formalidade e vão-se vivendo sem que se dê por isso.

De facto, percebe-se que seja intuitivo admirar o fim como nada mais do que um beco sem saída, em que tudo o que será é apenas o que já se foi. Olha-se para a despedida como uma parede de betão intransponível, quando por vezes é uma bifurcação à espera do veredito: atravessar ou não para a outra margem do rio. 

Já se percorreu o caminho até aqui e agora observa-se o curso da água, que  continuará a correr em direção à foz sem esperar por ninguém, alertando os mais distraídos de que está na hora. Ainda assim, quantas vezes se fez por evitar um adeus? Mais ou menos do que aquelas em que se preferiu ficar na margem de cá, com receio do destino, ou no fundo apenas com medo de nunca mais “voltar a”?

Assim, na abstração da nuvem que paira, torna-se pacificadora a ideia de que o fim também pode incendiar o rastilho da felicidade. Decide-se agir, atravessa-se o rio e quando se olha para trás percebe-se finalmente porque é que o recomeço tem um brilho diferente.

Autoria: Filipa Dias e Beatriz Francisco, respetivamente

Edição de Imagem: Felipe Bezerra