A cultura do desperdício no século XXI

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Manhã de domingo, um dia de sol e calor na cidade do Porto.

Pós-jogo na Rua O Primeiro de Janeiro, rua à qual o Estádio do Bessa chama casa.

Entre ir do ginásio a casa de carro, ou desfrutar do pedacinho de verão a meio de Maio, aprontamo-nos para caminhar 10 minutos até casa.

Ao som de Joy Division, com as caras suadas e as pernas moídas, percorremos a rua e, apercebemos ao longe uma sombra deambulando pela estrada. Aproximamo-nos. De perto, a sombra toma a forma de um saco do lixo abandonado. Infelizmente, visto ser tão comum, ignorar é o primeiro instinto. Não seria um dia vulgar, se ao vaguear pelas ruas não se se deparasse com uma garrafa de plástico no chão, um papel de embrulho, um pacote de cigarros... Já nem parece depravado, é só mais um dia numa cidade portuguesa.

A minha reflexão é interrompida pelo movimento brusco da minha irmã a dirigir-se em direção ao saco e querer colocá-lo no lixo. Pelo menos nela, o instinto passou a ação.

Num flash, passa pela minha mente uma publicação que tinha visto dias antes.

Um colega que resolveu passar à ação: deixar discursos bonitos de parte e pôr “as mãos na massa”. Depois de um dia de aulas, decidiu tornar um caminho rotineiro, num pequeno passo em direção à mudança. Tomou uma atitude que não implicou nada mais do que tempo e determinou-se a recolher tudo o que era resíduo do chão, entre a escola e sua casa. Chegou ao final de um percurso de 10 minutos com 3 sacos de lixo industriais cheios de detritos abandonados à mercê da degradação indeterminada. Numa perspetiva de alastrar o valor de responsabilidade ecológica, e de fomentar mais comportamentos similares, partilhou nas redes sociais os seus resultados.

A publicação ficou-me na memória, e a inspiração passou.

Conseguiu cumprir o seu objetivo.

Fez-me entender que por mais que nos queixemos da falta de políticas económico-sociais desenvolvidas pelo governo no âmbito de proteção ambiental, as palavras não bastam (e o propósito da sua repetição até é questionável). Temos de ativamente participar para salvaguardar a subsistência do ambiente.

Nós próprios, com as nossas duas mãos, dispensando de 10 minutos no meio de 1440 do nosso dia, podemos reduzir o lixo das ruas, impedindo que atinja os oceanos, promovendo também a higiene e o aspeto estético das nossas cidades.

Então porque não nós as duas neste pequeno trajeto? Porque não aproveitar este saco que já encontrámos e utilizá-lo para recolhermos alguns plásticos que encontremos?  Decisão tomada, missão adotada.

Rapidamente um saco deixou de chegar, e ao encontrarmos um saco de compras no meio da estrada, começámos a separar o que eram beatas de cigarros, de tudo o que era plástico, para mais à frente separar e reciclar.

Num dia de pós-jogo, a rua estava recoberta de restos de humanidade festiva. Sejam plásticos de chiclete, pacotes de cigarros, batatas fritas, latas de refrigerantes e cerveja ou embalagens de refeições já preparadas. O resultado final foi este: três sacos cheios, uma rua um pedacinho mais limpa, e dois sorrisos. E que aventura. As sensações viajam entre a vergonha, o cansaço, a determinação, o bem-estar, o orgulho a frustração, a raiva, o desgosto. Andámos vergadas a apanhar coisas putrefactas enquanto outros passam por nós intrigados. Aparecem as cãimbras nas costas e nos joelhos. Reparamos na quantidade que já retirámos das ruas. Enche-se um saco, uma quantidade razoável, e sem dúvida a diferença já fizemos. Mas queremos mais. Queremos limpar a rua inteira, e aqui já não importa quem passe por nós, ou os seus julgamentos. Sabemos que estamos a fazer a coisa certa, e pode ser que uma destas pessoas que se cruze conosco ganhe coragem para fazer o mesmo. Enchemos o terceiro saco, apercebemos-nos do ponto ridículo ao qual o egoísmo, o egocentrismo, a indiferença chegaram.

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A altura chegou de valorizarmos a expressão “Ações falam mais alto que palavras.” Desprezar, descartar, ignorar não pode ser aceitável.  O nosso processamento tem ir além do nulo: já nem nos apercebemos, nem sequer integramos a informação. Mas o que é facto é que, se todos nós deitássemos igualmente garrafas de plástico no chão, invólucros de bolachas, flyers publicitários para o chão, neste momento estaríamos soterrados em tralha inútil, sem significado, sabotando a existência uns dos outros. “Eu só deixei cair um papel, um não faz diferença. Querias o quê? Me baixasse para o apanhar?”. E é gente assim que habita o planeta em 2019.

E no fundo o que é que custa? Seremos assim tão sedentários e preguiçosos que não podemos aguentar com o lixo na mão até encontrar um caixote? A preguiça e o facilitismo são sem dúvida dois traços característicos da nossa sociedade atual. Não estará na altura de olharmos para os nossos umbigos numa perspetiva de melhorar? De sermos adultos, aceitarmos os nossos erros passados e tomarmos as críticas de forma construtiva?  Vemos constantemente conquistas de outros diante dos nossos olhos e congratulamos, quase sentimos orgulho pelas resoluções dos outros, as nossas ânsias apaziguam-se por poucos momentos. Esquecemos é que de nada serve, ficar à espera que outros façam por nós.

Ora, caros leitores, uma coisa é certa: as nossas mãos são do tamanho que nós queiramos que elas sejam. E sendo assim, termino com um desafio. Que todos os que me acompanharam neste devaneio se aventurem e se determinem a fazer de uma caminhada da Faculdade até casa, uma coisa proveitosa.

Porque se queremos que alguma vez os nossos netos e bisnetos pisem esta terra, teremos de recolher muito lixo do caminho.

Catarina Cardoso, 2º ano